'É
Tudo Uma Questão de Fé” é o título do
trabalho realizado por Carolina Vale, que alcançou o 2º
lugar na categoria 'secundário', no Concurso Literário
'António Celestino' 2014.
É
tudo uma questão de fé
“A
minha fé, nas densas trevas, resplandece mais viva.”, já
dizia Mahatma Gandhi. Sempre me lembro de ouvir a minha mãe
citar essa frase, e desde cedo percebi o sentido que tem na nossa
vida. Por vezes, somos movidos pela fé, parece que as coisas
só acontecem se acreditarmos nelas, e eu sou uma prova disso.
O
meu nome é Inês e vou contar-vos a minha história
de vida. Nasci na primavera de mil novecentos e oitenta e sete, tenho
agora vinte e sete anos, vivo em Coimbra, sou morena, meço
cerca de um metro e sessenta centímetros, sou magrinha, e sou
uma pessoa muito extrovertida. Tenho dois irmãos, a Joana e o
Martim, que são gémeos e têm vinte e quatro anos.
São morenos também, mas mais altos do que eu.
É
mesmo muito bom ter irmãos, pois são pessoas com quem
podemos contar sempre e que acabam por ser pedaços de nós
mesmos. Na adolescência era complicado darmo-nos tão bem
como hoje, todos queríamos as mesmas coisas e chateávamo-nos
por tudo e por nada, mas hoje, não vivemos uns sem os outros.
Quando
os meus pais me disseram que ia ter duas pessoas com quem brincar em
casa, fiquei radiante! Na altura não tínhamos tantos
brinquedos como as crianças de hoje têm, mas tínhamo-nos
uns aos outros, e aos nossos vizinhos, que brincavam sempre connosco,
pois tínhamos mais ou menos a mesma idade.
Andei
na escola primária e no ciclo ou ensino básico, como
lhe chamam agora. No secundário estudei Ciências e
Tecnologias, que sempre foi uma área que me despertou muito
interesse. Entrei então para o curso de Farmácia
Biomédica, na Faculdade de Farmácia da Universidade de
Coimbra. Tirei a licenciatura e o mestrado e comecei logo a trabalhar
numa farmácia perto de casa.
Conheci
o Rodrigo, o meu namorado, no primeiro ano da universidade. Reparei
nele logo na primeira semana, era impossível não
reparar. O Rodrigo é alto, moreno, magro e tem olhos castanhos
esverdeados. A meio do primeiro semestre tivemos de fazer trabalhos
de grupo e, para sorte minha, ele ficou no meu grupo. Foi aí
que tive a oportunidade de o conhecer melhor, e passamos a andar mais
vezes juntos. Almoçávamos juntos na cantina e
juntávamo-nos às vezes ao fim da tarde na pastelaria
“Dona Margarida”, perto da universidade, para conversar.
No
último ano do curso o Rodrigo disse-me que quando terminasse o
curso ia para Espanha, para perto da família. Fiquei
completamente em choque… tinha-me aproximado tanto dele, e ele ia
embora… Foi aí que percebi que gostava mesmo dele.
Implorei-lhe que não fosse, disse-lhe que precisava dele cá,
ao meu lado, e desatei a chorar. Ele ficou completamente perdido
quando me viu tão desesperada, abraçou-me e vendo o
estado em que eu estava, prometeu-me que não ia.
Passado
um ou dois meses, numa saída de amigos, ele levou-me a casa, e
beijou-me. Aí percebi o porquê de ele ter ficado em
Portugal. Começamos então a namorar e agora vivemos
juntos.
No
verão de dois mil e sete, quando fui de férias com ele,
com a minha irmã e com o namorado dela, o Filipe, reparei que
tinha um seio bastante inchado e os meus mamilos estavam um pouco
diferentes. Andava também com algumas dores nas costas,
e
fui pesquisar sobre isso na internet. O que encontrei deixou-me muito
assustada, pois pelos sintomas, podia ser cancro da mama, e fui
imediatamente ao hospital com o Rodrigo.
Falei
desses sintomas ao doutor Vicente, que é oncologista, e ele
fez-me uma mamografia. Quando me disse que tinha cancro da mama num
estado já bastante avançado, o meu coração
parou. O Rodrigo olhou para mim, completamente perdido, sem reação.
Desatamos a chorar. Todos os momentos mais felizes da minha vida me
passaram pela cabeça naquele momento, e só pensava que
ia morrer e que não podia concretizar os meus sonhos.
Comecei
então a quimioterapia. O cabelo começou a cair, estava
sempre com náuseas e ganhei anemia. Sentia-me muito fraca, e
cheguei mesmo a pedir para morrer, para tudo acabar ali. Mas porquê,
se ainda tinha hipótese de viver? Porque é que
quereria morrer se ainda não tinha concretizado os meus
sonhos? Porquê ir embora se isso magoaria as pessoas que gostam
realmente de mim?
Todos
os dias os meus pais, os meus irmãos, o meu namorado e a Rita,
a minha melhor amiga, me iam ver. Levavam-me flores, fotografias e
outros mimos. Davam-me força para acreditar que tudo ia ficar
bem, e foi a isso que me prendi durante todo aquele tempo.
Comecei
a melhorar, o cabelo voltou a nascer, as náuseas desapareceram
e os glóbulos vermelhos voltaram ao número normal. Fui
para casa e a minha mãe ficava lá comigo quando o
Rodrigo ia trabalhar.
Continuei
a ir às consultas do doutor Vicente, e já passaram sete
anos desde que me foi diagnosticado o cancro. Os meses que passei em
tratamento foram os mais difíceis da minha vida, e se não
tivesse tido tanto apoio, já tinha desistido.
Tenho
agora um filho, o André, com um aninho, e posso dizer que
venci o cancro. Foi a melhor notícia que recebi desde que me
foi diagnosticada esta doença, que afeta cerca de onze
mulheres por dia, em que apenas sete sobrevivem. Sinto-me afortunada
por ser uma delas, e considero-me uma verdadeira lutadora, uma
vencedora. A cura desta doença não está na
quimioterapia ou na radioterapia, está em nós, na nossa
fé, na nossa força e no apoio que as pessoas mais
próximas de nós nos dão.
Em
todas as situações da vida, é tudo uma questão
de fé.
(Carolina
Vale)
Sem comentários:
Enviar um comentário