quarta-feira, 9 de abril de 2014

Carolina Vale distinguida no Concurso Literário António Celestino

 'É Tudo Uma Questão de Fé” é o título do trabalho realizado por Carolina Vale, que alcançou o 2º lugar na categoria 'secundário', no Concurso Literário 'António Celestino' 2014.


É tudo uma questão de fé


            “A minha fé, nas densas trevas, resplandece mais viva.”, já dizia Mahatma Gandhi. Sempre me lembro de ouvir a minha mãe citar essa frase, e desde cedo percebi o sentido que tem na nossa vida. Por vezes, somos movidos pela fé, parece que as coisas só acontecem se acreditarmos nelas, e eu sou uma prova disso.
            O meu nome é Inês e vou contar-vos a minha história de vida. Nasci na primavera de mil novecentos e oitenta e sete, tenho agora vinte e sete anos, vivo em Coimbra, sou morena, meço cerca de um metro e sessenta centímetros, sou magrinha, e sou uma pessoa muito extrovertida. Tenho dois irmãos, a Joana e o Martim, que são gémeos e têm vinte e quatro anos. São morenos também, mas mais altos do que eu.
            É mesmo muito bom ter irmãos, pois são pessoas com quem podemos contar sempre e que acabam por ser pedaços de nós mesmos. Na adolescência era complicado darmo-nos tão bem como hoje, todos queríamos as mesmas coisas e chateávamo-nos por tudo e por nada, mas hoje, não vivemos uns sem os outros.
            Quando os meus pais me disseram que ia ter duas pessoas com quem brincar em casa, fiquei radiante! Na altura não tínhamos tantos brinquedos como as crianças de hoje têm, mas tínhamo-nos uns aos outros, e aos nossos vizinhos, que brincavam sempre connosco, pois tínhamos mais ou menos a mesma idade.
            Andei na escola primária e no ciclo ou ensino básico, como lhe chamam agora. No secundário estudei Ciências e Tecnologias, que sempre foi uma área que me despertou muito interesse. Entrei então para o curso de Farmácia Biomédica, na Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra. Tirei a licenciatura e o mestrado e comecei logo a trabalhar numa farmácia perto de casa.
            Conheci o Rodrigo, o meu namorado, no primeiro ano da universidade. Reparei nele logo na primeira semana, era impossível não reparar. O Rodrigo é alto, moreno, magro e tem olhos castanhos esverdeados. A meio do primeiro semestre tivemos de fazer trabalhos de grupo e, para sorte minha, ele ficou no meu grupo. Foi aí que tive a oportunidade de o conhecer melhor, e passamos a andar mais vezes juntos. Almoçávamos juntos na cantina e juntávamo-nos às vezes ao fim da tarde na pastelaria “Dona Margarida”, perto da universidade, para conversar.
            No último ano do curso o Rodrigo disse-me que quando terminasse o curso ia para Espanha, para perto da família. Fiquei completamente em choque… tinha-me aproximado tanto dele, e ele ia embora… Foi aí que percebi que gostava mesmo dele. Implorei-lhe que não fosse, disse-lhe que precisava dele cá, ao meu lado, e desatei a chorar. Ele ficou completamente perdido quando me viu tão desesperada, abraçou-me e vendo o estado em que eu estava, prometeu-me que não ia.
            Passado um ou dois meses, numa saída de amigos, ele levou-me a casa, e beijou-me. Aí percebi o porquê de ele ter ficado em Portugal. Começamos então a namorar e agora vivemos juntos.
            No verão de dois mil e sete, quando fui de férias com ele, com a minha irmã e com o namorado dela, o Filipe, reparei que tinha um seio bastante inchado e os meus mamilos estavam um pouco diferentes. Andava também com algumas dores nas costas,
e fui pesquisar sobre isso na internet. O que encontrei deixou-me muito assustada, pois pelos sintomas, podia ser cancro da mama, e fui imediatamente ao hospital com o Rodrigo.
            Falei desses sintomas ao doutor Vicente, que é oncologista, e ele fez-me uma mamografia. Quando me disse que tinha cancro da mama num estado já bastante avançado, o meu coração parou. O Rodrigo olhou para mim, completamente perdido, sem reação. Desatamos a chorar. Todos os momentos mais felizes da minha vida me passaram pela cabeça naquele momento, e só pensava que ia morrer e que não podia concretizar os meus sonhos.
            Comecei então a quimioterapia. O cabelo começou a cair, estava sempre com náuseas e ganhei anemia. Sentia-me muito fraca, e cheguei mesmo a pedir para morrer, para tudo acabar ali. Mas porquê, se ainda tinha hipótese de viver? Porque é que quereria morrer se ainda não tinha concretizado os meus sonhos? Porquê ir embora se isso magoaria as pessoas que gostam realmente de mim?
            Todos os dias os meus pais, os meus irmãos, o meu namorado e a Rita, a minha melhor amiga, me iam ver. Levavam-me flores, fotografias e outros mimos. Davam-me força para acreditar que tudo ia ficar bem, e foi a isso que me prendi durante todo aquele tempo.
            Comecei a melhorar, o cabelo voltou a nascer, as náuseas desapareceram e os glóbulos vermelhos voltaram ao número normal. Fui para casa e a minha mãe ficava lá comigo quando o Rodrigo ia trabalhar.
            Continuei a ir às consultas do doutor Vicente, e já passaram sete anos desde que me foi diagnosticado o cancro. Os meses que passei em tratamento foram os mais difíceis da minha vida, e se não tivesse tido tanto apoio, já tinha desistido.
            Tenho agora um filho, o André, com um aninho, e posso dizer que venci o cancro. Foi a melhor notícia que recebi desde que me foi diagnosticada esta doença, que afeta cerca de onze mulheres por dia, em que apenas sete sobrevivem. Sinto-me afortunada por ser uma delas, e considero-me uma verdadeira lutadora, uma vencedora. A cura desta doença não está na quimioterapia ou na radioterapia, está em nós, na nossa fé, na nossa força e no apoio que as pessoas mais próximas de nós nos dão.
            Em todas as situações da vida, é tudo uma questão de fé.

 


(Carolina Vale)

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